domingo, 19 de junho de 2011

Perfil: Ana Rocha Melhado


13 de junho de 2011


A moça que sofreu longe da família, sem amigos, e morando em um quarto de pensão, superou as privações e conquistou seu espaço em São Paulo.


Uma História de Sucesso
Um dia na companhia da mulher que consegue ser engenheira, professora, empresária, esposa, mãe e filha ao mesmo tempo.




Por: Magno Viana


Ana Rocha Melhado, uma pernambucana que venceu os desafios de ter que se afastar da família ao mudar de Recife para São Paulo, se sentir só e residir em um quarto de pensão sem conforto e privacidade, ainda assim não se permitiu abater. Está com 44 anos, há 18 em São Paulo, casada com o professor da USP Sílvio Melhado há 15, mãe de Felipe, um menino de 12 anos, pelo qual ela se diz apaixonada.
É sociável e dinâmica: ao chegar ás 09h40min, o horário que conseguiu estar na FAAP (Fundação Armando Álvares Penteado) nesta segunda-feira, abaixa o vidro do Spacefox - Volkswagen 2006, e diz: “bom dia, estou mal das vistas hoje”. Ao interrogá-la se a doença era conjuntivite, ela responde: “Não sei, talvez seja uma alergia, acho que nem vou poder dar aula, terei que passar no oftalmologista, mas você pode me acompanhar”.
Assim como o nome é expressivo, o currículo também é: Engenheira Civil, Pós-doutorada em Gestão Ambiental de Bairros Sustentáveis pela ISO 14001 e pelo processo de certificação HQE® (Haute Qualité Environnementale), realizado em Paris. Além de lecionar na Faculdade de Engenharia da FAAP, é a Sócia – Diretora da Proactive, (empresa de consultoria, atuando nas áreas de Gestão de Projetos e Sustentabilidade Empresarial).
Ela se considera católica, e como faz questão de observar: “não praticante”, mas acha que precisa pensar mais um pouco sobre o assunto. Independente da questão religiosa demonstra nobreza: “minha maior lição de vida é a humildade, e acredito que quando fazemos a nossa parte o resultado aparece”. Mesmo tendo uma vida cheia de atividade: ensino, viagens, cursos e palestras, não abre mão de um período para curtir a família: “ontem fui com meu marido e meu filho a uma pizzaria, depois fomos para casa terminar de assistir um filme”.
Ao ter como maior sonho a possibilidade de transformar o setor da construção em uma verdadeira indústria, trabalhar na formação de jovens e incentivar o estudo, por outro lado, ela também revela o maior medo: “ver o meu filho sofrer”.
Depois de fazer o exame de vista na manhã do mesmo dia, a professora me convida para almoçar. Caminhamos em busca de um restaurante que ela tinha visto há algum tempo, e que tinha lhe chamado a atenção. Após alguns minutos de caminhada, ela diz: “não estou encontrando, vamos almoçar naquele lá de trás mesmo”. É o Restaurante Casa das Massas, de origem italiana, com um cardápio variado, e um ambiente requintado.
Durante a refeição ela fala sobre diversos assuntos como arrependimento, velhice, desafios. E afirma que tem inveja de pessoas que conseguem manter o equilíbrio mesmo diante de uma injustiça, e que o seu ídolo é seus pais, “sempre esperançosos e bem-humorados, a minha mãe é uma luz, é impossível você ver minha mãe triste”.
Saímos do restaurante a caminho da FAAP, na estrada, ela descontraidamente confessa: “tenho uma enorme vontade de um dia morar em Paris”. Faz comentários sobre a agradabilidade e facilidade para se locomover na capital francesa “lá eu posso fazer tudo a pé, sem me preocupar com transito e congestionamento. Em uma cidade como aquela a gente anda muito, e isso é bom”.
De volta na faculdade, Ana precisava pagar algumas contas e enviar e-mails, para mais tarde participar de uma reunião com a arquiteta Heloise Amado, dona do escritório “Amado e Marcondes”, em parceria com o Sr. Rogério Marcondes.
Horas depois estávamos na reunião. Ana saúda a arquiteta, me apresenta à amiga e senta. A pauta eram dois projetos sustentáveis: Vitra, construção de um edifício, e Parque Catarina, edificação de um conjunto de casas. A engenheira diz para Heloise que em um período de três meses preparou o projeto para as duas construções.
Ela explica detalhadamente os passos a serem dados, olho no olho, voz audível, pronúncias bem articuladas: “precisamos fazer um cálculo para vermos se com a utilização da água da chuva, água cinza, negra e do subterrâneo, que é a água limpa, elaboração de relatórios e análise do sítio (lugar), conseguimos realizar os planos”.
Concluindo, Ana sugeriu um assunto para ser pensado de forma séria, e ser levado aos governos federal, estaduais e municipais: “acredito que o uso de 90 litros de água per capita sem comprometer o conforto e a qualidade do imóvel, deveria ser estabelecido como diretriz de projeto no Brasil”.
Saindo do escritório, a empresária diz: “tenho que ir correndo para casa, viajarei para Salvador hoje à noite”. Ela está trabalhando na capital baiana com a implantação de um Sistema de Gestão da Qualidade e Ambiental para a Incorporadora Syene (empresa imobiliária da Copasa, grande grupo espanhol com atuação internacional e mais de 20 anos de tradição).
A engenheira explica que “trata-se de um projeto de 24 meses, que foi iniciado em fevereiro de 2010”. Mas antes de pegar o avião, ela precisará fazer algumas ligações, vai preparar o Check-in (documento de verificação para que a passagem seja emitida), e arrumar as malas.
Em torno das 18 horas chegamos à sua bela casa, em um condomínio chamado Vila San Pietro na Granja Vianna. Uma residência com três salas. Na primeira, cortinas brancas nas paredes, fotos da família e algumas obras de arte. Na estante, livros, um peixinho de madeira e também objetos de cera, miniaturas de gado, bule e uma bordadeira.
Ao perguntar qual a origem das pequenas imagens, ela responde: “são lembranças do nordeste”. Mesmo mudando de Estado e alcançando o sucesso, ela não nega suas raízes. Livros na estante e revistas em uma cesta posta no chão junto a uma das paredes. Uma bola de fibra de poliéster em cima do sofá, e livros de ilustrações decorativas no meio da sala.
Não é das católicas mais fervorosas, todavia, aceita na sala um símbolo religioso: uma minúscula vela com a imagem de um anjo e a inscrição: “Cathédrale de Reims” (uma das catedrais góticas mais importantes da França). Na segunda sala, mais um espaço aconchegante e descontraído, no centro uma vasilha de cerâmica, lembrança de Belém-Pa. Imagens folclóricas de bonecas de barro, mais fotos da família e diversas miniaturas de carros, inclusive de corrida, com a marca Ferrari, impossível não vê um atraente pebolim (futebol de mesa) e um álbum de fotografias eletrônico da Sony.
Enquanto eu observo o ambiente, ela corre de um lado para o outro. “Vou pegar o avião daqui a poucas horas”. Liga rapidamente para o pai, que é chamado carinhosamente de “painho”, após alguns minutos de conversa, se despede dele, e passa a falar agora com a mãe, “oi mainha, bença mainha, parabéns (pelo aniversário)”. Ana se despede da mãe: “tá bom mainha, tchau”.
De repente ela fala novamente ao telefone com uma pessoa chamada Ângela “oi Ângela, vou ter que ir mais cedo para o aeroporto, porque eu não consegui fazer o check-in, estou sem conexão com a internet aqui em casa”. Depois de alguns minutos, se dirige para mim e explica: “estava falando com minha irmã, ela vai me ajudar a agilizar as coisas, família é isso”.


Ana é uma mulher apegada à família, ela sempre fala dos pais, irmãs, marido e filho. No primeiro andar da casa, mais fotos: uma do casamento, outra do pôr do sol registrado nesse mesmo dia do enlace matrimonial, e mais uma do filho. Ela começa a preparar as malas.
Sugere que eu conheça o escritório da família, “entra, mas está uma bagunça”. Nessa dependência do lar, também se pode ver nas paredes, diversas fotos de familiares e amigos, na estante um livro de sua autoria e co-autoria do Sílvio Melhado: “Preparação da Execução de Obras”. Em toda a casa uma verdadeira exposição de quadros, inclusive obras da autoria do marido e do filho.
As malas estão quase prontas, Ana desce para o térreo, porque falta o principal para a viagem: “vou apanhar o material de trabalho”, são livros, apostilas, mapas, desenhos, entre outros recursos. Mesmo em meio a tanta correria para não se atrasar, eu consigo interrompê-la e pergunto se a empresária joga o pebolim, a resposta é positiva. E ela me faz a mesma interrogação, a resposta é negativa. Ao ficar surpresa, me faz o convite para jogar, eu aceito e jogamos por uns cinco minutos, de repente ela fala um pouco apavorada: “tenho que correr agora, já deu para perceber que minha vida não é nada sedentária”.
Um taxista estaciona na porta, é seu Valdeir, o motorista preferencial da engenheira. Bagagem arrumada, tudo pronto, entramos no carro. Ela como sempre, não deixa de promover a interação entre as pessoas: “seu Valdeir, esse é o Magno, jornalista, está fazendo Pós-Graduação, e como trabalho de final do semestre, está fazendo um perfil Jornalístico de...” (uma personalidade, eu falo), ela ri, e comenta, “é exagero dele, o perfil é de alguém bem sucedido”.
O dia para Ana Melhado foi atípico, não pôde dar aula por causa do exame de vista, e como ela mesma afirmou, “não executei muitas atividades como de costume” (viagens para o interior do Estado, participação de curso, execução de projetos, entre outras), mas, mesmo não sendo uma segunda-feira como as habituais o dia foi produtivo e revelador.
Com persistência e atenção, dá para perceber que realização profissional não é sinônimo de solidão e arrogância. A história retratada mostra que é possível ter sucesso na carreira, em paralelo com a realização pessoal e familiar, dá para conciliar as conquistas materiais com a felicidade no amor. Amor e atenção aos parentes e amigos. Se não for um dos muitos modelos, esse talvez seja o exemplo mais evidente de uma história de sucesso.